Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

28/02/2014

Mitos da linguagem: Língua como nação?

Por: Língua Portuguesa

Há muito a literatura brasileira debate as complexas relações entre língua e nação. No século 19, após a Independência, os escritores românticos encaparam o projeto de construção de uma literatura nacional, que passava necessariamente pela reflexão acerca do idioma aqui falado e escrito.

No início do século 20, em uma interessante cadeia dialógica, Lima Barreto (1981-1922) retoma, em perspectiva irônica, a proposta do indianismo romântico, ao compor Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicado como folhetim em 1911 e como livro em 1915. O protagonista do romance parece agregar todos os elementos desse projeto nacionalista, a fim de mostrar a sua impossibilidade.

É como se Quaresma respondesse antecipadamente a Oswald de Andrade, que devora o mais canônico autor ocidental, Shakespeare, para perguntar, no Manifesto Antropófago (1928), “Tupi, or not tupi, that is the question”, no qual se faz um jogo semântico e sonoro entre “to be” e “tupi”. Para o patriota convicto do livro de Lima Barreto, ironicamente, a ideia de Brasil vincula-se a uma língua que não é falada, lida ou escrita em seu cotidiano.

Personagem comovente, Policarpo está em busca de uma pátria, de uma língua, de uma cultura. No antológico 4º capítulo da 1ª parte do romance, após escrever o requerimento, motivo de chacota no Congresso Nacional, nos jornais, nos bares e salões, Quaresma ainda traduz um ofício para o tupi. Ele não só eleva a língua de parte dos povos indígenas à condição de idioma nacional, como a leva para o campo controladíssimo da escrita.

As consequências desastrosas da elaboração do requerimento e da tradução do ofício para a personagem – que é suspensa do trabalho e internada em um hospício, por um tempo – nos falam das relações entre língua e poder, nos mostram parte dos mecanismos de funcionamento da ordem do discurso e dos seus processos de silenciamento.

Ser brasileiro é uma questão, principalmente, linguística? Para Quaresma, parece que sim.



Estas informações foram extraídas do site revistalingua.uol.com.br/ em 7 de fevereiro de 2014, e adaptadas. Todas as informações são de responsabilidade dos autores da matéria.
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