Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

19/07/2013

Construção e compreensão de identidades por meio da literatura

Por Franco Caldas Fuchs

Como a leitura de obras literárias influencia na construção e na compreensão de identidades? Quem explica é a professora de Letras Janice Cristine Thiel, doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Para a especialista, a literatura aponta caminhos “para a percepção do outro” e “do próprio indivíduo”, assim como é capaz de promover aproximações culturais.

Na entrevista a seguir, Thiel dá orientações sobre como pais e educadores podem promover a leitura entre os jovens. Também, trata do papel dos clássicos literários na formação identitária e analisa como determinadas obras ajudam a construir uma identidade nacional. Confira!

De que forma a construção da nossa identidade é influenciada pela literatura?

Quando falamos sobre a construção de identidade, tratamos, na verdade, de identidades – no plural –, pois construímos muitas identidades ao longo de nossas vidas. Elas são escritas e lidas no encontro com o outro, na passagem do tempo, em função de nossa localização e de nossos deslocamentos. Nossas identidades estão em processo. São construídas pelas nossas experiências de vida e pelas nossas leituras.
Nesse sentido, a literatura pode complementar a construção de identidades pela reflexão que promove. Quando temos acesso a textos literários provenientes das mais variadas culturas, percebemos o valor das palavras, o valor da expressão da individualidade e do pensamento pela palavra.
Os livros que compõem nosso repertório pessoal são fruto de escolhas que fazemos, e essas escolhas podem revelar preferências por certos temas, estilos, gêneros literários e autores. Contudo, é importante estarmos dispostos a agregar novas leituras, de forma a acrescentar ao nosso repertório textos que possam ser transformadores, questionadores e que nos façam repensar conceitos estabelecidos.

Por meio dos livros, é possível traçar uma espécie de “árvore genealógica intelectual” de cada leitor? É possível irmanar e até opor pessoas por suas afinidades de leitura?

Pelas escolhas de obras literárias, é possível traçar os interesses do leitor por certos temas ou autores. As bibliotecas pessoais revelam escolhas feitas por determinadas áreas de pesquisa ou de formação. Há livros que são lidos na infância e adolescência como forma de entretenimento e que permanecem compondo a biblioteca pessoal, pois são relidos na idade adulta por um novo olhar, mais crítico.
Há comunidades que encontram afinidades de leitura. Esses grupos de leitores elegem seus autores favoritos e dedicam tempo e estudo para a discussão de suas obras. Existem também grupos de estudo formados por apaixonados pela literatura, a fim de compartilhar leituras e discutir sentidos de um texto.
A literatura não separa nem opõe as pessoas, mas aponta caminhos para a percepção do outro, podendo promover inserções culturais e sociais.

O poder formador da literatura se dá por quais de suas características? Em relação a outros produtos culturais, de que forma ela se destaca e se diferencia?


Literatura é a arte da palavra, e a palavra diz o mundo. Ela diz os seres que nele habitam e diz sua história, suas relações, seus encontros, seus conflitos, suas buscas e seus questionamentos. Quando alguém lê uma narrativa, pode fazê-lo não só para acompanhar a história, mas também para perceber como a história é contada. A forma como uma história é contada é tão importante quanto o que é narrado.

Muitas conexões podem ser estabelecidas entre saberes por meio da literatura, envolvendo língua, história, sociologia, ética, filosofia, entre outros conhecimentos e expressões artísticas.
Nesse diálogo, a literatura se destaca pela ênfase na palavra e na forma como ela pode ser, por exemplo, deslocada de seu uso cotidiano para ser renovada e provocar novas construções de sentido. Ou, ainda, a literatura pode mostrar como as linguagens de diferentes grupos sociais podem compor um universo, retratar formas de ver, compreender e questionar o mundo.

O fato de que clássicos da literatura, muito antigos, continuam formando identidades até hoje prova que a essência do homem pouco muda?


Os clássicos da literatura não são os livros antigos, embora essa associação aconteça. Os clássicos são os livros cujas leituras não se esgotam, pois os leitores continuam construindo sentidos e relações desses textos com outros. Os clássicos são os livros que lemos e relemos, que provocam questionamentos e não fornecem simplesmente respostas.
Os conflitos, anseios e questionamentos humanos expressos pelos personagens de obras de Homero, Cervantes, Shakespeare, Goethe, Melville e Machado de Assis, entre tantos outros, permanecem.

Monteiro Lobato é autor da frase célebre: “Um país se faz com homens e livros”. Quais livros vem ajudando a construir uma identidade brasileira e podem ajudar leitores de hoje a refletir sobre o País e sobre si mesmos?

Os textos dos cronistas estrangeiros dos séculos XVI e XVII constroem uma identidade brasileira pelo olhar do outro, do colonizador, a partir de valores e visões de mundo que têm os pés no Brasil, mas o pensamento na Europa.
No Período Romântico, os romances indianistas de José de Alencar, por exemplo, partem de matéria-prima local para constituir tempo, espaço e homem míticos, com o propósito de construir a gênese de uma nação em um momento de afirmação cultural.
Por sua vez, Macunaíma, de Mário de Andrade, obra do Modernismo brasileiro, traz a identidade nacional simbolizada por um personagem híbrido, um viajante que rompe fronteiras geográficas e temporais. Ele reúne características indígenas, negras e europeias, e constitui-se pela inconstância e mutabilidade.
As múltiplas identidades brasileiras têm sido expressas pela literatura por essas e outras obras canônicas. Contudo, há lacunas resultantes de construções que envolvem inserções e exclusões. Portanto, é fundamental ler as obras dos diversos momentos da formação da identidade nacional, incluindo aquelas escritas pelas muitas etnias, comunidades e vozes que compõem e discutem o Brasil.
A literatura brasileira é constituída por muitas literaturas, por inúmeras culturas e vozes, tais como as indígenas e afro-brasileiras. Essas merecem ser inseridas nos estudos promovidos na escola, como forma de conhecimento e inclusão do outro, prática de letramento literário e de leitura de multimodalidades textuais.

Como você avalia o papel da literatura na formação de jovens estudantes dessa segunda década de 2000?


Embora eles utilizem tecnologias de comunicação e de acesso à informação cada vez mais avançadas, isso não significa que estejam distantes da literatura. Ela passou a encontrar seu público-alvo não somente no suporte impresso, mas também em suportes eletrônicos.
A literatura tem um papel essencial na formação dos jovens estudantes, pois faz com que conheçam diversas formas de expressão literária e cultural pela linguagem, reflitam criticamente sobre o mundo, experimentem diferentes sentimentos pela leitura, desenvolvam o autoconhecimento e a valorização do outro.

A grande quantidade de títulos voltados para adolescentes no mercado atualmente pode colaborar para uma geração com mais leitores no futuro?

O acesso aos livros é importante, e a grande quantidade de títulos publicados mostra que o mercado editorial investe em materiais para crianças e adolescentes. Contudo, os leitores de todas as idades precisam desenvolver competências leitoras.

Pela leitura, os jovens têm chance de conhecer diferentes culturas, pois a literatura é construída por diversas visões de mundo. Em um mundo interconectado, é essencial ler para ampliar o aprendizado e a possibilidade de ver e ler o mundo. Portanto, é fundamental que formemos leitores que possam criar conexões entre saberes, perceber o lugar ideológico dos discursos, interpretar informações e desenvolver consciências.

Você acredita que educadores e pais devem influenciar as escolhas de leitura dos alunos e filhos?


Como mediadores de leituras, os pais e professores exercem um papel essencial na formação de leitores competentes. Famílias leitoras formam leitores. Quando os pais têm o hábito da leitura, e da leitura literária, e frequentam bibliotecas e livrarias, esse hábito pode ser também incorporado pelos mais jovens.

Pais e professores podem sugerir leituras, mas cada leitor deve ter o direito de ler os textos de sua preferência e de diferentes gêneros, autores e culturas, a fim de construir parâmetros para poder discutir sobre as obras lidas. É importante, no entanto, que pais e professores acompanhem a leitura para promover conversas e questionamentos sobre os textos lidos.

Os educadores podem ser orientadores e promotores da leitura literária, motivando os alunos pela contação de histórias ou pela formação de grupos de leitura. Ao trabalhar com textos canônicos, além de discutir questões preestabelecidas, os professores podem sugerir que os estudantes percebam ou estabeleçam diálogos da literatura com outras artes e saberes.

Vale a pena deixar que crianças e jovens concentrem suas leituras em obras superficiais ou deve haver incentivo para a leitura de obras mais densas?


A leitura de entretenimento pode ser o começo do amor pela leitura, mas é essencial que ela conduza a outras leituras e que haja um aprofundamento nos níveis de interpretação do texto literário. Pela orientação da família e da escola, os jovens leitores podem ter acesso a diversas obras literárias, em vários suportes, para que possam comparar estilos de expressão literária e para que possam construir um repertório.

Esta notícia foi publicada dia 19/07/13 no site http://www.educacional.com.br. Todas as informações contidas nela são de responsabilidade do autor.
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