Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

01/07/2013

Dois conceitos

Por Sírio Possenti

Falar de língua não é só falar de gramática. Ou de ortografia, coisa que pode ser ainda mais pobre, principalmente se não se tenta entender o que provoca os “erros”. Falar de língua é também falar de leitura, de conceitos (de sentidos) e, principalmente, dos detalhes de sentido que eventualmente colocam dois debatedores em lados opostos.

Dou dois exemplos, com base nos comentários ao post da semana passada. Como a Comissão da Verdade está ouvindo “apenas” agentes do Estado que tenham agido fora da lei (da própria ditadura, acrescente-se), um leitor perguntava o que se vai fazer com os terroristas (replicando o discurso do Cel. Ustra).

Ora, há uma distinção fundamental a ser feita (que já foi feita, na verdade) entre os dois casos. Qualquer que seja a posição político-ideológica do leitor, ele deve ser capaz de compreender que os “terroristas” já foram condenados, cumpriram penas e, além disso, foram anistiados (foi como lavar uma coisa de novo depois de já estar limpa). Já os agentes do Estado (observe-se esta característica, que não é um detalhe, mas fundamental) que agiram fora da lei estão sendo apenas ouvidos. O que se quer é que contem o que houve. Não correm risco de condenação (se estivéssemos na Argentina, no Chile ou no Uruguai, sim, mas aqui sempre se fazem acordos por cima). O Supremo decidiu há pouco que a Lei da Anistia é válida.

Um leitor perguntou o que se queria do Ustra. Respondo por mim: queria que ele fosse tão corajoso agora quanto foi “pouco valente” torturando.

Outra questão são os sentidos de “luta de classes”, de que um leitor acabou falando (aliás, não sei por que Marx entrou na ciranda; acho que é porque se lê muito mal; botar Marx no meu post é como introduzir uma receita de miojo nas redações do Enem…). “Luta de classes” é, na teoria de Marx, um conceito explicativo: segundo determinada teoria, a história “avança” movida pela luta de classes. Ou seja, não é movida pela decisão de reis ou de generais, mas pelas disputas entre grupos que querem mudar sua situação na sociedade.

Há outro emprego do sintagma, é preciso reconhecer (o leitor achava que só existe esse): pode haver, é houve, talvez ainda haja, quem faça “comícios” propondo a luta de classes, isto é, propondo que este motor seja acionado (ou mais voluntariamente), e logo, para que a história mude imediatamente.

Pode-se concordar com a explicação da história e discordar da proposta política. Mais ou menos como concordar com Darwin não implica acelerar mudanças genéticas e adaptações. Mas há os que fazem isso: com a soja, com vacas, com os frangos “mais peito” etc.

Ler também é “português”…

Esta notícia foi publicada dia 01/07/13 no site http://terramagazine.terra.com.br. Todas as informações contidas nela são de responsabilidade do autor.
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