Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

30/08/2012

Literatura de Jovem: surgem novos estilos na literatura brasileira

Por João Paulo Lopes de Meira Hergesel

Já dizia o linguista francês Charles Bally, no início do século passado: ""A estilística estuda os fatos expressivos da linguagem organizada de acordo com seu conteúdo emocional, quer dizer, a expressão dos fatos da sensibilidade por meio da linguagem e a ação dos fatos da linguagem sobre a sensibilidade."" (tradução livre do francês). A questão da expressividade notavelmente atravessa os limites da oralidade e reflete-se também na escrita, sobretudo, na literatura.

Posso tranquilamente afirmar que o estilo literário abrange diversos aspectos: o estilo do autor, o estilo da obra, o estilo dos personagens, o estilo da linguagem, o estilo da época e, também, o estilo de quem lê todos esses estilos. Como um exemplo, posso citar Machado de Assis, com sua ""pontuação rigorosa"" (termo usado por Joaquim Ferreira dos Santos, no livro As cem melhores crônicas brasileiras) e contrastá-lo com Clarice Lispector, cuja ""pontuação é a respiração da frase"" (citação da própria autora, em A descoberta do mundo).

Por ora, deixo esses dois mestres da literatura brasileira realista e contemporânea, nesta ordem, e foco-me na chamada literatura de jovem. Não abordo, aqui, a literatura juvenil, escrita por adultos e voltada ao público menor de idade, mas a literatura de jovem, produzida por adolescentes criativos e entusiastas que abrem mão de algumas horas em frente ao videogame ou em conversas aleatórias no site de relacionamentos e dedicam-se à produção de contos, crônicas, poemas e, por que não, novelas e romances.

Esse mesmo assunto foi tratado, há dois anos, em uma matéria da Folha de São Paulo (Adolescentes escrevem livros inteiros em comunidade do Orkut, de Fabiana Rewald, veiculada em 01/02/2010). Uma comunidade de um site de relacionamentos reunia milhares de adolescentes, entre escritores e leitores, que divulgavam suas redações e comentavam informalmente os textos alheios. Em uma rápida pesquisa, pude localizar a comunidade e, consequentemente, seus membros; logo, também pude averiguar a qualidade dos textos ali postados. Ressalto, inclusive, que pelo menos um desses jovens já teve a oportunidade de ser publicado.

É o caso de Douglas Marques, paranaense, que publicou seu primeiro romance - dos vários escritos - em 2011, logo que completou dezoito anos de idade. Seu livro, Cartas de Siracusa, publicado pela editora Oficina de Livros, envolve desde segredos do Estado revelados até assassinatos misteriosos. Outro exemplo de autoria precoce está na gaúcha Luisa Geisler, autora de Contos de mentira (publicado), e Quiçá (em fase de publicação), pela editora Record, devido à premiação, por dois anos consecutivos, no Prêmio Sesc de Literatura.

Além desses adolescentes esforçados, há também crianças e pré-adolescentes superdotados que, embora bastante imaturos na idade cronológica, mostram-se fielmente maduros na criação literária. Enumero, aqui, como exemplo, dois nomes: Ludmila Fraga Coutinho, de sete anos e residente em São Paulo, e Matheus Carvalho Brandão, de onze anos e residente em Brasília - que publicaram, respectivamente, Dois bichinhos do barulho, que narra um incidente entre um gato e um cachorro, e A espermatolândia (editora Thesaurus), que instrui pré-adolescentes sobre sexualidade, sob a visão de alguém com a mesma idade.

Honestamente, assim como aborda o artigo A escrita na Internet: nova forma de mediação e desenvolvimento cognitivo?, de Maria Teresa de Assunção Freitas, considero notável que, devido ao acesso à rede universal de computadores, o adolescente brasileiro tem lido mais do que de costume e, de certa forma, contribuído para o autodesenvolvimento cognitivo. Isso o ajuda a organizar seu ""conteúdo emocional"" e, assim, expressar ""os fatos da sensibilidade por meio da linguagem"" verbal escrita; automaticamente, ele consolida seu estilo próprio e é capaz de produzir obras com rico valor literário.

O que ainda falta, infelizmente, são editoras brasileiras que incentivem tal prática - salvo algumas exceções, como vistas anteriormente - e quebrem o tabu, convidando jovens escritores com futuro promissor a publicarem seus trabalhos. Todavia, suponho (e espero) que, com o avanço do mercado editorial no meio digital e a aceitação dos livros eletrônicos em nosso país, muitas oportunidades sejam oferecidas.

Peço desculpas previamente pelas derivações impróprias seguintes, responsáveis por ferir a estilística morfológica, mas vejo-me obrigado a reconhecer que há muitas futuras clarices-lispéctores e muitos futuros machados-de-assises, jovens prósperos a quem certamente ficará o encargo de enlevar ainda mais a literatura brasileira. São jovens originais, empolgados, amantes das belas-letras e, sobretudo, capazes de escrever, inclusive, um artigo melhor do que este.

Notícia publicada no endereço http://www.cruzeirodosul.inf.br e acessada dia 30/08/2012. Todas as informações contidas nela são de responsabilidade do autor.
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