Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

13/04/2012

Como lemos na era digital

Por Dwight Garner
Muita gente já argumentou com elegância contra os livros eletrônicos, inclusive Nicholson Baker, na revista The New Yorker, alguns anos atrás. Baker comparou o Kindle, da Amazon, a um equipamento doméstico de ginástica: “Algo caro que, quando você se compromete com, obriga você a usar mais daquilo porque você começa a se cobrar achando que deveria estar usando mais”.
A melhor defesa que já vi dos livros eletrônicos, no entanto, apareceu recentemente no site da revista The New York Review of Books. O romancista Tim Parks sugeriu que os e-books oferecem “um envolvimento mais austero e direto” com as palavras. Sua persuasiva conclusão: “Esse é um meio para adultos”.Eu tenho tentado me tornar mais adulto, em termos do meu comprometimento com a leitura em várias plataformas, dos smartphones e e-readers aos tablets e laptops.
É hora de começar a pensar nos melhores usos literários para esses dispositivos. Será que algumas obras são mais adequadas que outras a determinada plataforma? Será que Philip Larkin se sente em casa num iPad, e Lorrie Moore num Kindle? Posso transformar um poema de Kay Ryan em toque de celular?
O smartphone
O smartphone é claramente a maior dádiva da tecnologia recente para a leitura. Andar com um elimina o maior medo de todos: ficar preso em algum lugar sem nada para ler.
A maior parte do que devoro no meu celular é jornalismo: jornais de outras cidades e links enviados por Twitter ou Facebook. Ben Franklin teria gostado desse meio que cabe na mão.
Ele é o pai fundador que disse: “Leiam muito, mas não livros demais”.
A autobiografia de Franklin, aliás, é ideal para ter no telefone. Está em domínio público e é gratuito no Kindle.
Eis outra escolha improvável: os Diários de John Cheever, o mais subestimado livro de não-ficção do século 20. Os textos de Cheever são curtinhos, mas profundos.
São dolorosos, quando não simplesmente cruéis; eles colocam no devido contexto os fatos desgastantes da sua própria vida e talvez até o animem.
Mantenha um ou dois livros no seu iPhone. Periodicamente, levo o maior dos cachorros da minha família para longas caminhadas, e prendo o iPhone no bolso da minha camisa, com o pequeno alto-falante virado pra cima.
Já escutei Herzog, de Saul Bellow, dessa maneira. O método é melhor do que usar fones de ouvido, que bloqueiam o mundo natural.
E-books
Os e-readers, como o Kindle, da Amazon, me parecem os mais intimistas e, portanto, os mais sexy desses dispositivos. Na maioria, o texto não é iluminado por trás, o que chega a causar repulsa. Você fica menos inclinado a trair -ou seja, ler um e-mail ou navegar na internet. Na leitura, como no amor, a fidelidade importa.
Como os e-books não têm capas, os adolescentes podem achar mais fácil consumir os livros que seus pais antes confiscavam. Os pais vão achar que eles estão jogando Angry Birds.
O iPad
O iPad é até agora, para mim, o lugar para ler o tipo de livrão de não-ficção que eu vou provavelmente folhear com atenção em vez de ler -a biografia de Steve Jobs por Walter Isaacson, por exemplo.
Também gosto do fato de alguns desses livros de não-ficção oferecerem notas de rodapé que levam você direto a uma fonte.
Essas fontes às vezes são muito melhores do que o livro que você tem em mãos.
Geralmente há outras coisas inusitadas para clicar. O aplicativo do iPad para On the Road – Pé na Estrada, de Jack Kerouac, por exemplo, contém mapas, linhas do tempo e outras coisas além do texto.
Também os livros de arte -muito dos quais gratuitos- são uma delícia no iPad. A clareza é estonteante, como uma droga visual.
Experimentei a poesia em todas essas plataformas: Larkin, Dickinson, Philip Levine, Amy Clampitt. Não está rolando, pelo menos não para mim. Não há suficiente espaço em branco, nem silêncio.
Além disso, você não pode ler um e-book na banheira. Não pode atirar no gato do outro lado da sala, como Mark Twain gostava de fazer. E e-books não servem para decorar salas.
Escrevendo em 1991 no jornal The Times, Anna Quindlen declarou: “Eu ficaria muito contente se meus filhos se tornassem o tipo de gente que acha que decorar consiste principalmente em construir suficientes estantes de livros“.
Concordo demais. Mas é a mobília mental que importa.
[Dwight Garner, do New York Times]
Notícia retirada do Observatório de Imprensa. Todas as alterações posteriores são de responsabilidade do autor.
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