Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

25/11/2011

Eça de Queirós: um escritor para toda a vida

Por Marion Frank
Fátima Bueno, professora de Literatura Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP), tem muito a dizer sobre Eça de Queirós. Para início de conversa, ele sempre lhe representou um desafio. "Defendi tese sobre as imagens de Cristo que aparecem na sua obra e sempre me pareceu um paradoxo o questionamento que um escritor como ele, originário de um país de forte tradição católica como Portugal, faz da história bíblica", aponta. "Mas a obra de Eça de Queirós também me fascinou por transmitir uma ideia crítica do que foi a sociedade portuguesa do final do século 19".
Muitos são os modos de se apaixonar por Eça de Queirós. Quem gosta de história, caso da professora da USP, vai se sentir à vontade: apesar de datar dos anos 1800, os romances de Eça de Queirós apresentam temas contemporâneos - quem lê "O Crime do Padre Amaro", por exemplo, sente-se acompanhando uma história com enredo e ritmo típicos da TV, tanto é verdade que já inspirou minissérie e versões cinematográficas (veja Eça no cinema e na TV). Adultério, erotismo, religião, incesto - afinal, não foi penoso constatar que a paixão entre Maria Eduarda e Carlos Eduardo era impossível por serem irmãos? Sim, fala-se aqui do drama central de "Os Maias", outro clássico queirosiano que bateu índices de audiência na nossa televisão.
Como explicar essa aura de eternidade em cada livro de Eça de Queirós? "Sou de uma geração que teve na leitura uma forma de enriquecimento no contato com um universo cultural maior daquele que vivia", diz Fátima. "A leitura sempre fez parte da minha vida - e ler Eça de Queirós foi fundamental por ser um grande escritor."
Há muito, portanto, com o quê se maravilhar na obra do escritor português, nascido em Póvoa de Varzim, o Portugal nortenho, em 1845, e falecido em Paris, França, em 1900. Data completa do seu nascimento: 25 de novembro de 1845. Momento oportuno para relembrar, permitindo a quem é especialista destacar obras e fatos memoráveis do escritor português - que também foi diplomata e jornalista. Com a palavra, a professora Fátima Bueno.
"A sua importância não está restrita ao século 19, basta reparar no interesse da TV e do cinema em adaptar os seus romances... Eça trabalha com temas que continuam atuais, a obra dele apresenta de modo crítico a sociedade do seu país do final do século 19, uma visão crítica que amplia a forma como cada um de nós vê a própria sociedade em que vive. Além de senso crítico e do uso da ironia ao expor o mundo que o rodeia, Eça, que também foi jornalista, consegue incluir notícias de outros lugares em seus romances - é bom lembrar que a imprensa, naquele final do século 19, era a principal fonte de informação do que acontecia no mundo civilizado. Por isso, seus livros focados em Portugal são capazes de ecoar os temas mais discutidos em toda a Europa do seu tempo."
"Os livros de Eça chegavam ao nosso País no primeiro vapor, por assim dizer, quase um mês depois de terem sido lançados na matriz. Seu segundo livro, O Primo Basílio, retrata a burguesia de Lisboa do final dos anos 1800, a que pertence Luísa que, na ausência do marido que viaja muito a trabalho, vive uma paixão com seu primo, Basílio, de quem já tinha sido noiva. O livro, de 1878, causou polêmica no Brasil. Há um encontro de Basílio e Luísa, onde o escritor deixa claro ter ela aprendido uma sensação nova com o amante - e a bom leitor era o que bastava para a imprensa brasileira fazer piada, charges, enfim, um escândalo!"
"Eça de Queirós e Machado de Assis nunca se conheceram pessoalmente, apesar de terem vivido a mesma época e sido próximos enquanto escritores... Sim, porque ambos atuam de modo semelhante ao escrever, são críticos da sociedade e sabem fazê-lo com agudeza, pertencendo à mesma corrente literária, o realismo. Em relação ao livro de estréia de Eça, porém, Machado de Assis, sob o pseudônimo de Eleazar, fez críticas no jornal ‘O Cruzeiro’ dizendo se tratar de plágio de um romance de Émile Zola, La Faute de Labbé Mouret (1875) - o que Eça negou, naturalmente. A crítica machadiana é feita no momento que O Primo Basílio chega ao Brasil e a imprensa só fala disso - Machado tinha acabado de lançar Iaiá Garcia e não se lia uma linha sequer nos jornais sobre o seu livro... Para mim, a crítica nada mais é do que a defesa de espaço por parte de Machado de Assis em relação a Eça de Queirós."
"Fala-se muito, em sua biografia, que os pais de Eça se casaram depois do seu nascimento - ele tem essa nódoa na história pessoal, a de ter sido filho ilegítimo criado, a princípio, pelos avós. Mas o que realmente interessa sobre ele é o período que começa com seus estudos de Direito, em Coimbra. Porque não se pode falar de Eça de Queirós sem falar da geração a que ele pertenceu, a "geração de 70", uma das mais importantes da cultura de Portugal. Vivia também essa época Antero de Quental, escritor que exerceu enorme influência sobre Eça de Queirós e o grupo de Coimbra. Uma geração que tem, aliás, consciência aguda do atraso de Portugal em relação à Europa’. É bom lembrar que exatamente nesse período começam a chegar ao território português as principais obras da literatura francesa e filosofia alemã - obras que vão ser de grande influência sobre Eça de Queirós."
"Sabe-se, por cartas aos editores, que o escritor tinha um compromisso assumido de publicar inúmeras obras - um projeto de escrever, por exemplo, Cenas da vida devota (O Crime do Padre Amaro), Cenas da vida doméstica (O Primo Basílio), Cenas da vida romântica (Os Maias) etc.. Desse projeto literário ele realizou apenas uma parte, afinal, Eça vivia longe de Portugal, o que impossibilitava o retrato fiel, escritor de estética realista que era".
"Aos 25 anos, Eça dirige um jornal em Évora, no Alentejo, e também colabora com jornais de Lisboa. Como jornalista, no final de 1869, ele faz a cobertura da inauguração do Canal de Suez - e as anotações dessa viagem ao Egito e, depois, à Palestina, vão lhe ajudar a compor a imagem do Oriente que aparece em obras como A Relíquia, por exemplo. A vida de diplomata se inicia em 1872 e, como cônsul, ele vive em Cuba, na Inglaterra e na França, onde se instala em Paris e fica até morrer. Nos anos 90, Eça dirige uma publicação, a menina dos olhos dele, chamada Revista de Portugal... ela não teve muito sucesso, ele dizia que o público não estava preparado para uma revista daquela categoria.... Mulherengo? De jeito algum: aos 40 anos, Eça se casou com Emilia de Castro, da aristocracia portuguesa, com quem teve quatro filhos. Entre eles há uma relação de cumplicidade, amizade, o que se percebe na correspondência que trocam durante as constantes viagens de Eça."
"Eça de Queirós começou a ter problemas de saúde com o passar dos anos, ele era bem magro e acabou morrendo de uma série de complicações nos intestinos, o que aconteceu em 16 de agosto de 1900, no endereço parisiense. Naquele momento, ele estava a meio da revisão de dois livros, A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras, ambos publicados após a sua morte, sem o padrão de qualidade que lhe era típico. Há mesmo problemas de encadeamento de algumas cenas do enredo que teriam sido resolvidos com a revisão rigorosa do escritor."
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