Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

29/09/2011

Análise contrapõe duas versões de Grande Sertão: veredas

Análise contrapõe duas versões de Grande Sertão: veredas
Por Paloma Rodrigues
A literatura de Guimarães Rosa impõe uma série de desafios para a tradução. Em sua tese de doutorado Traduzir é muito perigoso – as duas versões francesas de Grande Sertão: veredas – historicidade e ritmo, a professora Márcia Valéria Aguiar, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, mostra como a perspectiva adotada pelo tradutor faz diferença em seu trabalho. Em análise de duas traduções francesas, a primeira de 1960 e a segunda de 1991, ficou clara a diferença na montagem dos textos e na concepção dada a obra. “Não dá para avaliarmos uma tradução por meio de uma comparação direta com a versão na língua matriz. Antes de criticar o que foi feito, temos que descobrir a partir de que perspectiva a tradução se deu”.
Segundo Márcia, não se pode pensar que traduzir é uma ação que consiste em passar de uma língua para outra automaticamente. No caso de Rosa, os tradutores contaram com a ajuda direta do autor, o que facilitou e norteou os trabalhos. Cabe destacar que ele nada impunha: sugeria termos, recolocava frases, mas sempre respeitando a opinião do tradutor e sua decisão final. “Rosa queria muito ser traduzido, mas sabia da dificuldade dessa tradução. Ele dizia: ‘eu escrevo para o infinito’ e isso queria dizer que ele não se limitaria a uma única língua”, diz. As correspondências de Rosa com tradutores alemães, americanos, franceses e italianos foram um dos fundamentos do trabalho de doutorado e serviram para precisar como ele concebia a própria obra e o que esperava de seus tradutores. Esse processo de auxílio de Rosa, por intermédio das correspondências, foi base para o trabalho de Márcia e serviu para apontar as dimensões da obra.
Durante a produção da versão de 1960, o tradutor Jean-Jacques Villard e Rosa trocaram inúmeras correspondências, base para a análise de Márcia. Rosa explica não apenas sua literatura, como questões da botânica brasileira, facilitando a aproximação e adequeção da língua francesa ao original em português. Villard forjou um Diadorim — título de Grande Sertão: veredas em francês — que foi comparado com um autor que subverteu a linguagem litetária clássica a partir da “língua falada”.
A tradução de Villard ajudou a impulsionar a figura de Guimarães Rosa na França. Villard aproveitou o léxico e a sintaxe francesa para deixar a versão mais próxima da oralidade. O uso de léxico comum, que se afastava do “empolamento” da literatura clássica, facilitou o processo de deslocamento da língua francesa, o que vai de encontro ao espírito da literatura rosiana.
Em 1991, quando a segunda versão francesa foi realizada, Rosa já era conhecido mundialmente como um grande escritor e a qualidade de sua literatura comparada com a de autores como o argentino Jorge Luis Borges e o alemão Johann Wolfang Goethe. Essa fama talvez seja um dos motivos que levaram a tradutora Maryvonne Lapouge-Pettorelli a tentar colocar a tradução dentro de um modelo clássico de escrita. “Maryvonne Lapouge tentou ser clássica por intermédio do uso de clichês, um procedimento que Rosa vetava aos seus tradutores. Por essa razão, acredito que essa tradução não dá a dimensão da novidade da escrita de Rosa”, completa.
Surpresa na comparação
Uma das surpresas encontradas durante a realização do trabalho foi a conclusão de que que a primeira tradução, muitas vezes acusada de não ter conseguido captar a poeticidade do romance, não merecia as censuras de que era alvo. Como visto em críticas de jornais e revistas da época, os leitores frances se surpreenderam com a novidade e originalidade de Guimarães Rosa. “Geralmente esperamos que a tradução mais nova seja melhor que as antigas e minha expectativa foi completamente quebrada neste sentido”, e completa dizendo que o fato de a segunda ser muito mais conservadora a torna inferior à primeira.
Contra a ideia de peogresso em tradução, Márcia diz que historicizá-las é muito importante, pois o tempo vivido é uma influência direta na perspectiva do autor. Ao se analisar traduções feitas em períodos históricos diferentes, é preciso levar em conta os fatores que agiram sob a produção da obra, sob o contexto que fez com que determinado ponto da obra original fosse destacado, em detrimento de outro. Nesse sentido, o próprio conceito de original fica balançado, pois a leitura dele muda conforme as épocas.
Notícia retirada da Agência Usp de Notícia. Todas as alterações posteriores são de responsabilidade do autor.
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