Português
28/03/2011
Ani Siro fala sobre reescrita de textos literários
Por Elisângela FernandesEspecialista argentina explica como e por que reescrever textos é uma valiosa ferramenta para desenvolver o processo autoral dos alunos.
Em 2001, alunos da periferia de Buenos Aires foram desafiados a reescrever famosos contos infantis da perspectiva de um de seus personagens. Durante oito meses, eles elaboraram os textos, revisaram o material coletivamente e fizeram novas versões. A intenção era produzir uma antologia de relatos e socializá-la com a comunidade escolar. Ao trabalhar aspectos como a focalização (o ponto de vista do narrador) e a modalização (a voz narrativa), os professores foram surpreendidos com produções que traziam requintes de humor e outras características que deixaram claro como propostas como essa podem ser enriquecedoras. Cristian, 11 anos, por exemplo, deu início ao texto baseado em Chapeuzinho Vermelho da seguinte forma: "Desde aqui, no mais profundo do inferno, lhes fala o lobo". Guardadas as devidas proporções, o recurso engenhosamente utilizado por ele lembra a abertura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (1839- 1908): "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas".
A análise dessa experiência, apresentada no livro Narrar por Escrito do Ponto de Vista de um Personagem, é resultado do trabalho de mestrado de Ani Siro, psicopedagoga e mestre em Ciências com especialização em investigação educativa pelo Centro de Investigações e Estudos Avançados, no México.
Em visita ao Brasil, durante a Semana da Educação de 2010, organizada pela Fundação Victor Civita (FVC), ela ministrou uma palestra sobre a pesquisa e, em entrevista à Nova Escola, conta como surgiu a ideia, as dificuldades e os resultados que mais a surpreenderam.
Por que muitos estudantes não gostam de produzir textos?
ANI SIRO Não acredito que eles simplesmente não apreciem a tarefa. Na minha opinião, propostas ruins geram o desinteresse pela escrita. Muitas vezes, as crianças não se sentem motivadas devido à solicitação que recebem dos professores. Se há um bom convite, a tarefa tende a se tornar prazerosa e, quando alguém sente que algo representa um desafio, muito provavelmente toma aquilo como um compromisso pessoal. Sei que às vezes temos dificuldades em propor situações e temas suficientemente atraentes e de garantir que todos do grupo sejam mobilizados. Mas temos de seguir afinando a maneira de conceber esse compromisso. Estamos mais concentrados no que queremos ensinar do que em como incitar a moçada a se comprometer no processo.
Qual foi seu foco ao estudar meios para ajudar os alunos a superar as dificuldades de produção de texto?
ANI A importância de levar o leitor em consideração, valorizando alguns aspectos do discurso que são centrais, como reconhecer o ponto de vista do autor, as vozes presentes no texto e a temporalidade. Além desses, também são fundamentais efeitos textuais de humor e ironia (eles, às vezes, definem se um leitor vai abandonar um livro ou não). Também elegi como válido o fato de a garotada perceber que nem todos os aspectos e as construções literárias são fortes para determinar que uma pessoa se mantenha firme na leitura.
Como surgiu a ideia de propor a reescrita de histórias infantis em primeira pessoa, sob a perspectiva de um dos personagens?
ANI A grande inspiração foi o livro Que História É Essa?, que conheci no Brasil. A obra traz contos tradicionais contados com base no ponto de vista de um dos personagens. Achei criativa, desafiante, além de alinhada com a minha proposta de concentrar toda a energia conceitual na transformação do ponto de vista e na mudança da voz narrativa. Então, eu e Emilia Ferreiro (psicolinguista argentina reconhecida por suas pesquisas sobre o processo de alfabetização, orientadora do trabalho de Ani e também autora do livro) começamos a conversar com os professores para dar forma ao trabalho e formular as etapas necessárias para colocá-lo em prática.
Esta notícia foi publicada em 28/03/2011 na revista Nova Escola. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.