Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

24/05/2010

A gíria nossa de cada dia

A gíria nossa de cada dia/Diário do Nordeste
Por: Ana Cecília Soares
Estudioso das gírias da Língua Portuguesa, o professor J. B Serra e Gurgel lança a 8ª edição do "Dicionário de Gíria". A obra contém 33 mil verbetes e 735 páginas, incorporando jargões de Portugal, Angola e Moçambique
Isso é uma "balburdia"! Não aguento mais tanto "lenga-lenga". Nossa, que "songa-monga", "levou uma tunda"! Depois daquela "festa de arromba", acho que ele "escafedeu-se". Olha só, você "não sabe da missa a metade"... Quem é que nunca ouviu ou falou esses e outros jargões em algum momento da vida?
Como uma segunda língua do povo brasileiro, tal qual enfatiza o professor J. B. Serra e Gurgel, as gírias são utilizadas por jovens, velhos, adultos e crianças de diferentes classes sociais e credos, constituindo um mecanismo de linguagem bastante comum entre nós. Esse fenômeno sociolinguístico pode implicar diferentes sentidos: ironia, agressividade ou humor. Seu processo de criação se baseia no espírito lúdico, tornando-se uma espécie de jogo de adivinhação entre as mais diferentes culturas. "A gíria é a segunda língua brasileira porque é a mais falada. Todas elas nasceram para grupos fechados, mas quando saem desse círculo, tornam-se de todos nós. As nossas raízes linguísticas são basicamente indígenas, a influência de dialetos africanos na língua oficial é menos de 5%", diz.
Dicionário
Há mais de 20 anos, o professor JB Serra e Gurgel pesquisa as gírias na Língua Portuguesa. A dedicação é tamanha, que o autor já produziu a oitava edição do "Dicionário de Gíria". O livro é composto por 33 mil verbetes e 735 páginas, apresentado aos leitores expressões originárias de Portugal (antigas e atuais), Angola (atuais) e Moçambique (atuais). A edição traz também uma capa ilustrada pelo escritor e pintor cearense Audifax Rios.
A publicação abrange inovações importantes, como a identificação e classificação de gírias por gênero gramatical; ampliação das referências lexicográficas de localidade e datação; a inserção de mais jargões de Portugal, muitos vindos da sétima edição; uma extensão do acervo gírio fundamentado em novas contribuições e pesquisas, com expressões do Amazonas, Ceará, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Bahia e Goiás.
"Até a edição passada o livro não tinha ´cara´ de dicionário, a primeira publicação, inclusive, era mais um tipo de glossário. Com o tempo, o estudo foi ganhando outro formato".
O professor destacou que durante a pesquisa para o número atual, teve contato, no Real Gabinete Português, no Rio de Janeiro, com a obra "Infermidades da Língua e Arte que Ensina a Emmudecer para Melhorar", de Manuel Joseph Paiva. O livro traz uma série de mil palavras consideradas proibidas de se pronunciar na época (meados do século XVIII), por serem vistas como imorais ou de mau gosto. "Quem as falassem eram severamente punidos. Trago esses termos na nova publicação. Alguns exemplos mais comuns são: ´acabrunhado´, ´andei na roda viva´, ´asneira´, ´baboseira´, ´arco da velha´, entre outros".
A oitava edição também comemora os 250 anos do livro "Infermidades da Língua e Arte que Ensina a Emmudecer para Melhorar", lançado em Lisboa, em 1759. A obra é considerada um dos principais estudos da área em Portugal.
Já no Brasil, os dois marcos iniciais foram o livro de Manuel Antonio de Almeida, "Memórias de um Sargento de Milícias", em 1854; e "O Cortiço" de Aluízio Azevedo, em 1890. Este último possui cerca de 360 gírias. "Minha intenção quando lancei a primeira edição do Dicionário de Gíria, em 1990, foi a de abrir caminho para uma discussão sobre o futuro da língua portuguesa no Brasil. Cada vez mais, fala-se gírias no País e cada vez menos se fala o português. Só eruditos e sábios dominam totalmente o idioma", explica o professor.
Difusão de gírias
De acordo com J. B Serra e Gurgel, fatores como a urbanização forçada e descontrolada, desequilíbrios econômicos e sociais, disfunções políticas e jurídicas, baixa escolarização, exclusão social e massificação dos veículos de comunicação contribuiram para o processo de difusão das gírias no País.
"Acrescente-se o descaso das autoridades públicas com a preservação da língua, como se esta, não sendo brasileira no nome, devesse ser desprezada. Na falada ou oral, a gíria se sobrepõe à norma culta e a linguagem padrão".
Reflexão
O autor ressalta, ainda, que o jargão constitui o comportamento mais importante do modismo linguístico. De maior número de palavras, frases e expressões, associando-se à época e ao módulo de situação. "Costuma-se dizer que cada época tem sua gíria, o que é verdade. Sua característica principal se relaciona, portanto, com a moda. Surge, tem a sua expectativa de vida, desempenha o seu ciclo e finalmente desaparece. Algumas, às vezes são absorvidas pela língua, incorporam-se ao seu patrimônio", destaca.
O pesquisador acredita que os jargões, no geral, são formados por regionalismos e modismos, ganhando força a partir do momento em que são introduzidas nos meios de comunicação de massa, como a TV, o rádio e os jornais populares. "A gíria acha-se difusa, espalhada, como manifestação cultural, o que lhe assegura, no modismo linguístico, uma classificação bem mais abrangente como fenômeno linguístico".
J.B. Serra e Gurgel vê com preocupação a propagação de gírias expostas na internet e, também, as elaboradas por alguns grupos sociais.
"Ao contrário do que se pensa, a gíria renova a língua. Todavia, temo pelos estragos que o mau uso dessas expressões podem ocasionar na língua portuguesa, quando vindas de grupos como rappers e funkeiros, que estão constantemente produzindo gírias, imersas num processo em andamento que ninguém sabe onde isso vai parar. Os regionalismos, por sua vez, já vem sendo estudados e dicionarizados", conclui.
Algumas gírias
Bimbo: brega (País de origem Portugal)
Falta de tomates: falta de coragem (País de origem Portugal)
Galão: café com leite (País de origem Portugal)
Porreiro: muito legal (País de origem Portugal)
Biricoca: cerveja (País de origem Angola)
Pica: vacina (País de origem Angola)
Cafundado: injustiçado (País de origem Angola)
Quentex: bebida forte (País de origem Angola)
Mujimbu : boato (País de origem Angola)
Fiche: legal (País de origem Angola)
Boiado: bêbado (País de origem Angola)
Bassopa: atenção (País de origem Moçambique)
Chambocar: bater (País de origem Moçambique)
Guarda-fato: guarda-roupa (País de origem Moçambique)
Apanhado dos cornos: doido (País de origem Moçambique)
Cabeluda: calção (País de origem Moçambique)
Bazuca: cerveja (País de origem Moçambique)
De borla: grátis (País de origem Moçambique)
Bater o martelo: sair (País de origem Moçambique)
MAIS INFORMAÇÕES:
Dicionário de Gíria, de J. B. Serra e Gurgel
www.dicionariodegiria.com.br ou e-mail: gurgel@cruiser.com.br
Este conteúdo foi acessado no Diário do Nordeste 24/05/2010. Todas as modificações posteriores são de responsabilidade do autor original da matéria.
Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.