Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

26/06/2009

Censura a livros chega ao Paraná

A onda de caça a obras literárias disponíveis em bibliotecas escolares chegou ao Paraná. O vereador Jair Brugnago (PSDB), de União da Vitória, na Região Sul do estado, retirou das prateleiras da biblioteca da Escola Estadual São Cristóvão, onde é diretor, duas obras literárias indicadas para alunos de ensino médio. Após considerar o conteúdo dos livros inadequado, Brugnago entrou com ação no Ministério Público do município para pedir que todos os exemplares de Amor à Brasileira – que reúne vários contos, dentre eles um de Dalton Trevisan – e Um Contrato com Deus – e Outras Histórias de Cortiço, do escritor americano Will Eisner, sejam retiradas de todas as escolas da cidade. A retirada dos livros é criticada por especialistas (ver matéria nesta página).
As obras são enviadas pelo Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional das Bibliotecas Escolares (PNBE), às escolas públicas de todo país. Elas fazem parte de uma lista selecionada e analisada por uma comissão de professores universitários da área selecionados pelo MEC. Os livros só chegam às bibliotecas das escolas depois de aprovados. A ação do vereador ocorreu após casos semelhantes em São Paulo e Santa Catarina. Em São Paulo, o conteúdo de Um Contrato com Deus já havia sido questionado por alguns educadores (leia box) por conter cenas de violência, sexo, estupro e pedofilia. Escrita em 1978, a obra recria memórias da infância do autor, vivida em um cortiço do Bronx, em Nova Iorque, nos anos 30. Eisner é considerado um dos artistas mais importantes de histórias em quadrinhos e da cultura popular do século 20.
Amor à Brasileira é uma coletânea de contos organizada por Caio Porfírio Carneiro e Guido Fidélis. Um dos contos questionados pelo vereador Brugnago é de autoria de Rodolfo Konder, jornalista que conquistou o Prêmio Jabuti, em 2004. O erotismo presente no conto traz termos classificados pelo vereador como “pouca vergonha”. Segundo o vereador, as obras não são adequadas para os adolescentes. Ele resolveu lê-las depois que percebeu que os estudantes da escola estavam emprestando o livro com muita frequência. Retirou então os exemplares da biblioteca e agora eles estão com a promotoria de Justiça para serem analisados. “Esses livros não condizem com a realidade da educação. Os termos neles são vulgarizados e tem até trechos de pedofilia. Acho inadmissível gastar dinheiro público para colocar pornografia nas escolas públicas”, diz.
Como vereador, ele pediu que os responsáveis pela biblioteca municipal não emprestassem as obras para estudantes, somente para os universitários. “Não ia querer que um filho meu lesse isso. Os pais da escola e da cidade concordam comigo”, comenta. A secretária de educação de União da Vitória e esposa do vereador, Marli Brugnagno, diz que como educadora não consegue permitir esse tipo de material dentro das bibliotecas. “Os livros chegaram e foram direto para a biblioteca, só depois vimos. Se o MEC manda, a gente confia que é bom.”
O presidente do Conselho Estadual de Educação, Romeu Gomes de Miranda, explica que não é permitido retirar obras da biblioteca dessa forma. Segundo ele, primeiro o vereador teria de entrar com ação no Ministério Público e as obras só seriam recolhidas se a Justiça permitisse. “O MEC tem uma comissão de alto nível. Nenhum vereador tem o poder de retirar os livros das escolas. Isso é censura”.
O diretor da LGE Editora, Antonio Carlos Navarro, responsável pela comercialização do livro Amor à Brasileira, ressalta que há um processo muito rígido na escolha dos títulos que vão integrar o Programa Nacional das Bibliotecas Escolares. “Sempre há uma intenção, um objetivo pedagógico e cultural dos profissionais que escolhem os livros. Esse livro é uma coletânea de contos, com autores renomados. O livro em si não tem nada demais”, diz. A Editora Devir, que comercializa o livro Um Contrato com Deus, foi procurada pela reportagem, mas não retornou até o fechamento desta edição.

Na estante de 689 escolas
No Paraná, 689 escolas receberam – ou vão receber – os livros Amor à Brasileira e Um Contrato com Deus. Eles começaram a ser enviados pelo MEC no fim de abril e devem ficar nas estantes das bibliotecas destinadas aos alunos de ensino médio. A orientação dada pelo Ministério é que cabe às bibliotecárias cuidar do que é adequado a cada faixa etária, para que estudantes do ensino fundamental não tenham acesso às obras do ensino médio.
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Em defesa da literatura
Para a doutora especialista em leitura Marta Morais da Costa, professora da pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a literatura tem uma característica de descompromisso com a escola. “Há uma incompatibilidade entre a proposta da literatura e de uma escola sistematizada e normativa. A escola foi convertida num espaço e recebeu a função de passar cultura escrita para as crianças, coisa que famílias e outras instituições sociais não fazem”, diz. A professora ressalta que toda situação de censura leva a extremos. “Começa devagarinho e logo vamos ter uma pseudo literatura pasteurizada nas escolas”, ressalta.
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Histórico
A polêmica começou com erros de conteúdo em livros de Geografia.
Março de 2009 – Livro de Geografia, usado pela 6ª série nas escolas públicas de São Paulo, mostrava o Paraguai duas vezes em um mapa da América do Sul e excluía o Equador.
Maio de 2009 – Livros contendo expressões eróticas e palavrões foram distribuídos como material de apoio aos alunos da 3ª série de São Paulo. Livro Aventuras Provisórias, de Cristovão Tezza, é recolhido de escolas de Santa Catarina com alegação de conteúdos inapropriados.
Junho de 2009 – Educadores de São Paulo questionam conteúdo de Um Contrato com Deus, de Will Eisner, distribuído às escolas pelo MEC. Ministério não recolhe livros e orienta cuidado aos bibliotecários. No Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Educação determina o recolhimento de um livro didático de História por ter gravura considerada inapropriada para as crianças. A figura mostra ritual de tribos indígenas em que povos tupis executavam adversários para vingar antepassados.

Fonte: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/
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