Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

25/04/2009

O mais importante na leitura é saber jogar fora o lixo!

Em determinados textos a sensação é que estou parindo uma criança à fórceps, é a coisa mais difícil e eu lá pelejando. Isso me dá muito sofrimento. (foto: Divulgação)
Na próxima terça-feira, dia 28, o escritor mineiro Rubem Alves volta a Curitiba e desta vez não vai ficar apenas no aeroporto como da última vez, quando voltava de Maringá. Ao lado de Samuel Lago ele faz o lançamento de três novos livros, organizados por Lago. Na verdade, trata-se de um livro,  Aos mestres com carinho – e uma série - Crônicas de Rubem Alves. Amigos de longa data, desde que se encontraram em uma viagem de navio, contou Alves, a dupla aproveita para conversar com  a plateia também - e Alves  vai falar  de sua trajetória como escritor. Uma caminhada que começou um tanto tardiamente, quando tinha mais de 40 anos, despertada pela chegada da filha temporana e por um certo tédio com textos acadêmicos, combinados com a vontade de conversar com o povo comum, contou em entrevista.
Aos mestres com carinho reúne 1000 pensamentos relacionados à educação. Alves diz que pode ser usado como fonte de inspiração para criar uma geração de pais, professores e alunos pensantes.
A série é composta por dois volumes: Crônicas de Educação de Rubem Alves, com 46 crônicas sobre o assunto; e Crônicas de Rubem Alves - Religião, Mundo Moderno, Sabedoria e Sentimentos, com 40 crônicas, 8 sobre religião, 12 sobre mundo moderno, 9 sobre sabedoria e 11 sobre sentimento. “Sugiro que cada pequeno texto seja degustado prazerosamente. Nunca uma leitura corrida, dinâmica”, diz Lago.
A conversa com Rubem já começa com risos, e ele confessando que não tem ideia do que, exatamente, estará sendo lançado em Curitiba – e corre solta.  “É que o Samuel vai lançar também uns audiolivros meus...e ele pediu para fazer algo pinçando outros livros que publiquei...somos tão amigos. Não é uma amizade de mocidade, mas é uma experiência muito feliz”, conta, pedindo um tempinho para conferir quais serão os lançamentos que o trarão a capital. E foi assim que começou, com boas risadas, uma conversa agradável com este senhor de 76 anos, que não se acanha em admitir sua “inveja” de autores de best-sellers, “não pela literatura, mas porque conseguem atrair atenção do público”. Um papo que tratou de velhice e direito a morte; internet e de jardinagem.

Jornal do Estado — Além do lançamento desses dois livros, o que mais você anda fazendo?
Rubem Alves — Nesse preciso momento estou deitado na minha cama palestrando com você. (rs). Tô com vários projetos correndo, o que me cria uma certa confusão de idéias.  Porque são temas diferentes e também por um problema de organização, na cabeça. Se tivesse fazendo só um livro seria facil. Mas estou escrevendo dois livros de memórias. O primeiro, sobre um velho que acordou menino, com memórias de infância.  E o segundo é O sapo que queria ser príncipe. O sapo sou eu. E agora to escrevendo crônicas de maturidade e velhice também. Não tenho título ainda, que é a última coisa que escolho. Outro projeto é chamado Histórias que o Diabo me Contou.  É que o diabo é amigo meu e a gente conversa. Ele é um intelectual que gosta mesmo é de contar histórias e me conta as da Bíblia, mas de um jeito diferente. A de Caim e Abel, por exemplo. O vilão é Abel, que era carnívoro - e Caim era vegetariano. Deus rejeitou o almoço vegetariano e foi comer a ovelha, quer dizer, Deus é carnívoro também. Está lá na Bíblia, as pessoas é que não percebem e o diabo vai contando para gente perceber. Outra história, é a de um profeta, Eliseu. Ele ia andando e encontrou uma grupo de crianças que riu dele por ser careca e o que ele fez? Amaldiçoou as crianças em nome de Jeová e ursas despedaçaram 42 delas. Então, para Deus vale mais um profeta careca que 42 crianças que brincam. Isso é para as pessoas pensarem e não acreditarem em textos sagrados com tanta facilidade, porque este tipo de texto é feito garimpo, só de vez enquando se encontra um diamante. Na maior parte do tempo é barro.

JE — Como é o seu jeito de trabalhar? Tens um tempo diário para a escrita? Acredita em inspiração ou acha que é preciso mesmo muita transpiração?
Alves —  Ideias boas nunca vêm quando você quer. Chegam quando estou no banho, no trono. Por isso ando sempre com um caderninho para anotá-las porque senão desaparecem.

JE — E você escreve sobre vários assuntos...
Alves — Eu gosto disso. Mas não tomo a decisão, a coisa toma a decisão por mim. A ideia vem e me dá um murro. Não acredito na transpiração, unicamente. Ter uma ideia exige inspiração; produzir, transpiração. Tem que ser as duas juntas, porque só com transpiração sozinha não se produz nada. Só dá mal cheiro no sovaco.

JE — Você lida bem com as novas tecnologias Internet, comunidades virtuais?
Alves — O computador  não é nem questão de gostar, é impossível viver sem. Lembro do tempo da máquina de escrever: se errava uma ideia tinha que fazer tudo de novo. Hoje é uma economia de tempo, que sobra pra fazer o mais importante. Computador é uma máquina de escrever sofisticada. Internet  praticamente não tenho relação nenhuma com ela.

JE — Mas você tem um  site que não tem um perfil comum. Não achei lá sua biografia, mas fala de sua casa, de jardim....
Alves — Ele tá meio parado, preciso retomar. Mas, sabe como ele foi feito?  Nunca na minha vida tinha visto um site. Não sabia o que era e um dia disse que faria um e comecei a bolar do meu jeito: uma casa  que teria um jardim. Fui descrevendo na minha cabeça e depois entreguei pra um sujeito que fez daquele jeito.  Acho que se tivesse visto sites normais talvez tivesse atrapalhado.

JE — Na  música são muitos as questões a serem resolvidas com a chegada da internet. E na literatura, como você entende o papel desse instrumento?
Alves – Você sabe que não consigo ler livro na internet:? Minha relação é com o objeto. Talvez seja algo que vai desaparecer, mas sabe aquela experiência de comprar um livro novo e sentir aquele cheiro...  você vai para frente, para trás... internet não tem isso.

JE — Você é do tipo que lê mais de um livro ao mesmo tempo?
Alves — Leio. Vou para lá e vou pra cá.

JE — Escrever é uma paixão?
Alves – Gosto muito e escrever, pra mim é uma terapia.  Mas, preciso falar sobre a diferença de textos.  Em determinados textos  a sensação que tenho é que estou parindo uma criança à fórceps, é a coisa mais difícil e eu lá pelejando. Isso me dá muito sofrimento. Outros, aparecem  inteirinhos na minha frente.  Como se já estivessem prontos. Então, escrever não é sempre igual.  Não é sempre uma paixão, não traz só coisas boas, pode ser muito sofrido.

JE — Imagino que você foi um leitor desde sempre?
Alves – Na verdade, não. E nunca me imaginei escritor, tanto que só parti para a literatura depois dos 40, e não tinha preparo nenhum. Me preparei foi para ser engenheiro e achava a leitura uma besteira, coisa de vagabundo.

JE — Algo muito sério deve ter acontecido para essa mudança.
Alves —  Primeiro uma filha que nasceu temporona, depois dos 40 e naquela idade os pais já estão com um espírito mais de avós.  Os pais são pessoas muito torturadas, no sentido de preparar o filho, de instrumentaliza-los. Com o avô a relação é mais de vagabundagem e quando se é um pai velho a relação fica mais leve. E comecei a escrever histórias para ela.

JE — Por isso tantos livros infantis na sua biografia?
Alves — Olha só, você já ouviu que ostra feliz não faz pérola, porque ela precisa ter uma grão de areia que provoca a dor? Então ela produz a pérola para parar a dor e a mesma coisa é com a produção literária. Tem que ter algo que doa. Eu ficava vendo as ansiedades da minha filha e muito do que escrevi  eram pérolas  em resposta a uma dor.  E, outra coisa, fiquei cansado da vida universitária. Porque na universidade, geralmente,  tem exceções, mas geralmente os textos são muito chatos, áridos e eu não queria mais isso. Queria me comunicar, não queria mais o discurso científico filosófico porque queria que o povo comum me entendesse. Então rompi com o estilo acadêmico e fui escrever com metáforas poéticas e com humor.

JE — Falta falar de algum assunto?
Alves — Não.  Mas, sabe que estou muito comovido com a velhice. Esse meu livro de memórias vai ter muito a ver com velhice, porque o velho... por exemplo: um amigo de 84 anos teve um AVC e metade do corpo dele ficou paralisado. É algo muito triste, volta a ser uma criança, depende dos outros, tem que ter enfermeira, é algo muito humilhante. E me bateu a vontade de fazer um livrinho com uma idéia herética: os velhos deveriam ter o direito de ir para outro mundo quando quisessem. Ontem lembrei de um explorador que em 1947 resolveu fazer uma expedição atravessando o pacífico num barco feito com recursos de mil anos antes  para provar que os polinesios poderiam ter chegado ao Chile - algo fantástico.  Quanto ele estava com 84 anos, apareceu um câncer no cérebro. Sabe o que ele fez? Parou de comer e recusou-se a tomar remédio. Se estivesse em um hospital hoje em dia ele seria obrigado a comer, à força. O maior desrespeito que se pode imaginar, e é o que acontece hoje. Se o velho quer morrer,  é direito do ser humano.

JE — Você defende a eutanásia?
Alves — Isso não é eutanásia, é a pessoa tomando a decisão. Mas tem situações que sou favorável. Se a pessoa está doente, terminal, não tem mais jeito, não tem sentido manter a vida, porque ela já não quer viver. Estou tomando notas sobre isso para um livro.

JE — Ver seu site me fez pensar em que outras paixões você tem? “Jardinar” me pareceu uma delas. Gosta de música, artes plásticas?
Alves — Quando eu era jovem sonhei ser pianista, mas um pianista me convenceu a parar: Nelson Freire. Me convenceu tocando. Nós somos da mesma cidade, nossos pais são compadres.  Quando eu morava no Rio de Janeiro, aos 15 anos, estava trabalhando em uma sonata e toca a campainha. Entra a mãe de Nelson, dona Augusta, com ele, então com sete anos.  Ele sem um pingo de educação, mal educadamente mesmo, não olhou nem cumprimentou ninguém e quando viu a partitura sentou ao piano e tocou. Ali, eu percebi a diferença.

JE —  Dois precoces: a criança no talento musical e o adolescente, na perspicácia e sensibilidade.
Alves — Mas, gosto muito de música, outro dia ainda estava ouvindo as gravações dele e lembrando. E sou apaixonado por jardirn, já plantei muita árvore. Mas agora estou numa fase de contenção.Sem tempo para brincar no jardim, que é exigente.

JE — Você lê autores contemporâneos?
Alves — Não tenho tido tempo para acompanhar, mas gosto de Mia Couto. Tenho pelo menos duas maneiras de apreciar um livro. Tem obras que me provocam assombro intelectual e filosófico, mas não mexem com meu coração. Tem um livro, sem grandes pretensões literárias, que mexeu demais comigo foi A Menina que Roubava Livros.  Por outro lado... o Schopenhauer dizia que o mais importante na leitura é saber jogar fora o lixo. A quantidade de best sellers lixo.... e meus livros que são legaizinhos não vendem... morro de inveja deles (risos). Não como escritores, mas pela sorte de terem caído no gosto do público.

JE — Você se preocupa com quem o lê?
Alves —  Dizer que não  é besteira, porque todo escritor quer que alguém o leia. Senão fica frustrado. Veja o Nietszche, viveu a vida inteira triste, só teve nome depois de morto. Quanto mais as pessoas lêem mais best sellers aparecem na lista do New York Times. Um livro que é divertido, não uma graaande obra, é o Comer, Rezar e Amar. Quero dizer com  isso que não fico só procurando obras primas, tem espaço para  literatura divertida também.

JE – Por isso você é assim, alegre, bom de conversa, não me parece um senhor sisudo.
Alves – Ah não, o que é isso, a vida é tão alegre porque ser sisudo?

Serviço
Encontro com o autor, com  Rubem Alves e Samuel Lago.  Dia 28 às 19h30. Fnac (Park Shopping Barigui).  Mais informações sobre os livros de Rubem Alves e demais obras do autor no site www.nossacultura.com.br.
http://www.bemparana.com.br/index.php?n=105282&t=o-mais-importante-na-leitura-e-saber-jogar-fora-o-lixo
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