Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

25/03/2009

Que tipo de leitores queremos?

Já dizia Monteiro Lobato que um país se faz com homens e livros. Mas que tipo de país se faz com homens que só leem best-sellers?
Por coincidência, dois colunistas de grandes jornais tocaram esta semana no mesmo assunto: as distorções do mercado editorial brasileiro. Primeiro foi Cora Rónai, no Segundo Caderno de O Globo: ela alertou para o risco oculto de práticas comerciais estranhas na Internet e nas grandes redes de livrarias, que vendem a R$9,90 livros cujo preço normal é cinco vezes maior - e que, mesmo em consignações com desconto de 50%, normalmente custariam aos livreiros bem mais que isso. É claro que todo mundo gosta de pagar mais barato, inclusive a Cora e eu, mas é preciso refletir sobre o impacto de medidas assim na cadeia do livro como um todo - e avaliar seus potenciais efeitos anticoncorrenciais.
Como que complementando o artigo da Cora, Ruy Castro – aliás, bem-sucedido escritor – publicou em sua coluna na Folha de S.Paulo o texto “Mega-sellers” - que por sua vez repercutiu reportagem da ótima Rachel Bertol em O Globo, sobre os fenômenos que vendem mais de 1 milhão de exemplares no Brasil, se eternizando nas listas de mais vendidos. “Os mega-sellers”, escreve Ruy, “são sempre estrangeiros, e não necessariamente americanos: podem vir da Irlanda, da Austrália ou do Afeganistão, embora só cheguem aqui depois de iniciada sua carreira nos EUA. A partir daí, onde quer que se façam listas de livros mais vendidos, eles estarão nelas, o que torna essas listas monótonas e iguais no mundo inteiro. (…) Como os mega-sellers são maciçamente estrangeiros, teme-se que as editoras brasileiras desistam de apostar no humilde romance nacional - afinal, para que se arriscar a ter 3.000 livros encalhados quando se pode vender 600 mil?”
De fato, para quê? Ora, editoras são negócios privados, por natureza buscam o lucro. Num país de baixo índice de leitura, onde a grande maioria dos títulos lançados encalha, são esses fenômenos de vendas que sustentam a engrenagem das maiores editoras. Sem eles, muitas não sobreviveriam, e o número de autores nacionais lançados seria ainda menor. O argumento é correto, mas a discussão não deve terminar aqui.
Livros, como filmes, não são apenas produtos comerciais, nem mercadorias comuns: são elementos com valor simbólico, estratégicos na afirmação de nossa identidade cultural e na formação da consciência crítica da sociedade. Exigem, portanto, políticas públicas enfáticas, em duas frentes: fomento e regulação. É preciso estimular o desenvolvimento da indústria editorial, levando a maiores tiragens e formação de uma base crescente de leitores, fomentando a demanda por bons livros, o que será bom para todos. Mas também é preciso cuidar para que haja diversidade na produção editorial, evitando que as livrarias se transformem em supermercados de best-sellers, enquanto relevantes ensaios e obras de ficção mais séria ficam confinados a uma existência quase confidencial.
Mas para isso é preciso uma postura mais assertiva do Estado, estabelecendo regras para eliminar gargalos na cadeia de produção e distribuição do livro, além de garantir a livre competição. Porque a verdade é que o mercado editorial é um dos menos regulamentados que existem no país: não há números em que se possa confiar (já se falou que no setor prevalecem as “mentiragens”), e as próprias listas de mais vendidos estão sujeitas a variadas formas de manipulação. Livrarias cobrarem das editoras para expor seus livros nas vitrines é visto como algo normal, apesar do efeito perverso disso nos pequenos editores, que muitas vezes penam para conseguir deixar um ou dois exemplares consignados de um título de menor apelo comercial.
Ou seja, como em qualquer outra área da economia, o livre jogo do mercado provoca distorções sérias no setor do livro. Mas este tem uma importância simbólica e cultural ausente qualquer outro setor, exigindo por isso mesmo um olhar atento do Ministério da Cultura. É natural que editores e livreiros busquem todos os caminhos para maximizar seus lucros. Menos natural é que não existam mecanismos para mitigar os efeitos colaterais dessa disputa, harmonizando os legítimos interesses de editores e livreiros com os do público leitor. Talvez seja hora de se começar um debate sobre a regulação do setor.
PS: Aliás, o debate já começou. No dia 2 de abril haverá uma Audiência Pública na Câmara dos Deputados, provocada pela Frente parlamentar Mista da Leitura. O tema: “Lei do Preço Único do Livro – Vantagens e Desvantagens para o Brasil”. Países como a França adotaram a política do preço fixo nas livrarias, com desconto máximo de 5%. Pode parecer impopular, mas a julgar pelo número de livrarias na França, funciona. Já a Associação Nacional de Livrarias (ANL) estuda acionar o CADE para investigar possíveis ações de dumping e práticas predatórias no mercado editorial brasileiro.
Luciano Trigo é escritor, jornalista, tradutor e editor de livros.


Fonte: http://www.brasilquele.com.br/uol_texto_ler.php?id=4900&page=13
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