Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

07/01/2009

Mudança Climática Brusca

    Temperaturas que despencam 10ºC no inverno e secas repentinas que fustigam plantações ao redor do globo não são só sensacionalismo cinematográfico. Transformações drásticas desse tipo já aconteceram no passado - às vezes em poucos anos.
    Mudanças climáticas avassaladoras e abruptas do gênero podem mesmo acontecer em um futuro próximo ou trata-se apenas de exagero dos estúdios Fox? A resposta a ambas as questões aparentemente é sim. A maioria dos especialistas em clima acredita que não precisamos temer uma era glacial completa nas próximas décadas. Mas mudanças climáticas repentinas já ocorreram antes e poderiam ocorrer de novo. Na verdade, elas provavelmente sejam inevitáveis.
    E também inevitáveis são os desafios que trarão. Ondas de calor podem tornar certas regiões mais hospitaleiras, mas aumentariam o calor já sufocante de outros lugares. Secas graves poderiam tornar estéreis terras que já foram férteis. Essas conseqüências seriam particularmente duras de suportar porque mudanças climáticas que acontecem de repente geralmente persistem por séculos ou até mesmo milênios. De fato, considera-se hoje que o colapso de algumas sociedades antigas - antes atribuído a forças políticas, econômicas e sociais - tenha sido causado principalmente por flutuações rápidas no clima.
     Observadores fortuitos poderiam supor que viradas repentinas no clima diminuiriam qualquer efeito do aquecimento global induzido pelo homem, que vem ocorrendo gradualmente. Mas novas evidências indicam que o aquecimento global deveria, mais do que nunca, encabeçar a lista das preocupações: ele poderia facilitar que variações repentinas afetassem o clima da Terra. É possível que os cientistas nunca tivessem verificado para valer a capacidade de variação do clima terrestre se não fosse por algumas amostras de gelo, extraídas no começo da década de 1990 das calotas glaciais da Groenlândia. Esses cilindros colossais - alguns com três quilômetros de comprimento - preservam um conjunto claro de registros climáticos, que engloba os últimos 110 mil anos. Podem-se distinguir camadas depositadas todos os anos nos cilindros e datá-las usando vários métodos; a composição do gelo, por si só, revela a temperatura em que ele se formou.
    Esse trabalho revelou uma longa história de loucas flutuações no clima - longos períodos de frio alternados com breves intervalos de calor. A região central da Groelândia enfrentou quedas de temperatura da ordem de 6oC em poucos anos. Por outro lado, atingiu metade do aquecimento que ocorre desde o pico da última era glacial - mais de 10oC - em uma só década. Esse salto, há cerca de 11.500 anos, equivale a Minneapolis ou Moscou passarem a ter as condições relativamente agradáveis de Atlanta ou Madri. As amostras de gelo não revelam apenas o que aconteceu na Groenlândia. Também dão pistas sobre a situação no resto do mundo. Alguns pesquisadores conjeturavam que o aquecimento de 10oC ali esteve ligado a um evento que esquentou boa parte do Hemisfério Norte, e que esse episódio aumentou a precipitação naquela área e em muitos outros lugares.
    Na Groenlândia, a espessura das camadas de gelo mostrou, de fato, que a quantidade de neve havia dobrado em um ano. Análises de bolhas de ar aprisionadas no gelo corroboraram a previsão de aumento da umidade em outras áreas. Medições da quantidade de metano nas bolhas indicam que esse gás dos pântanos estava entrando na atmosfera 50 vezes mais rápido durante o aquecimento intenso. O metano provavelmente entrou na atmosfera devido ao alagamento dos charcos nos trópicos e seu degelo no norte.
    Os cilindros de gelo também ajudaram os cientistas a preencher outras lacunas. Camadas de gelo que aprisionaram poeira da Ásia indicaram a fonte dos ventos mais constantes, por exemplo. Eles provavelmente eram mais calmos nas épocas de calor, porque menos sal marinho e cinzas de vulcões distantes carregados por eles se acumularam no gelo. Episódios intensos e abruptos de aquecimento aparecem mais de 20 vezes no registro climático do gelo da Groenlândia. Várias centenas ou milhares de anos após o começo de um período de aquecimento típico, o clima revertia para um resfriamento lento, seguido por um resfriamento rápido, em intervalos tão curtos quanto um século. Então, o mesmo padrão se repetia, com outro período de aquecimento, com talvez apenas alguns anos. Durante as condições mais extremas de frio, icebergs chegavam à costa de Portugal. É provável que desafios menores do que esses tenham expulsado os vikings da Groenlândia durante o período frio mais recente, chamado de Pequena Idade do Gelo, que começou por volta de 1400 d.C. e durou 500 anos.
    Esse esquenta-esfria violento observado no norte aconteceu de forma diferente em outras partes do mundo, ainda que todos os fenômenos possam ter tido uma raiz comum. Épocas frias e úmidas na Groenlândia estão ligadas a condições climáticas particularmente frias, secas e ventosas na Europa e na América do Norte; também coincidiram com clima quente incomum no Atlântico Sul e na Antártida.
    Evidências também revelaram que mudanças abruptas nas chuvas causaram problemas que rivalizavam com as oscilações de temperatura. Épocas frias no norte traziam secas à África Saariana e à Índia. Há cerca de 5.000 anos, uma seca repentina transformou o Saara de uma paisagem verdejante pontilhada de lagos no deserto arenoso que é hoje. Dois séculos de seca há cerca de 1.100 anos aparentemente contribuíram para o fim da civilização maia no México e na América Central. Em tempos modernos, o fenômeno El Niño e outras anomalias no Pacífico Norte podem modificar os padrões meteorológicos a ponto de gerar secas como a que causou o Dust Bowl, período de seca grave que ocasionou a perda da camada superior do solo e provocou grandes tempestades de poeira nos EUA na década de 1930.
    Oito mil anos se passaram desde a última grande onda de frio no Atlântico Norte. Será que os seres humanos estão jogando o seu peso do lado certo para evitar que a canoa do clima vire? Talvez, mas a maioria dos climatologistas suspeita que estejamos deixando o barco ainda mais instável. Especialmente preocupante é o aumento, induzido pelo homem, das concentrações de gases-estufa na atmosfera, que provocam o aquecimento global. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), órgão ligado à ONU, previu em seu último relatório que as temperaturas médias globais subirão de 1,5oC a 4,5oC nos próximos cem anos. Muitos modelos de computador consistentes com essa previsão também prevêem que a convecção do Atlântico Norte perderá força. (Pode parecer irônico, mas o aquecimento gradual levaria a um resfriamento repentino de muitos graus.) As incertezas são muitas e, embora uma nova era glacial seja improvável, as mudanças poderiam ser bem maiores do que durante a Pequena Idade do Gelo, quando o Tâmisa congelou em Londres e as geleiras rolaram pelos Alpes. Talvez mais preocupantes que os períodos de frio no norte sejam os efeitos adversos que ocorreriam ao mesmo tempo em outras partes do mundo. Registros climáticos em vastas porções da África e da Ásia que se beneficiam de uma estação chuvosa intensa indicam que essas áreas tornaram-se particularmente secas sempre que o Atlântico Norte ficou mais frio. Até o resfriamento produzido por uma redução na intensidade da circulação convectiva bastaria para disparar a seca. Já que as lavouras de bilhões de pessoas dependem da estação chuvosa, mesmo uma seca modesta pode provocar fome.
    As conseqüências de uma futura perda de salinidade do Atlântico Norte podem dificultar até a vida de pessoas que vivem fora dos extremos de seca e frio. Tais projeções fizeram com que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos encomendasse à instituição Global Business Network uma análise das ameaças à segurança nacional que seriam causadas pelo desligamento total do cinturão convectivo. Muitos cientistas, inclusive eu, acham que uma desaceleração gradual é muito mais provável que uma interrupção completa; de qualquer forma, a gravidade das conseqüências do pior cenário faz com que ele mereça consideração. Como afirma a Global Business Network: "As nações com recursos podem erguer barreiras em volta de seus territórios, preservando esses recursos para elas mesmas. Nações com menos sorte... teriam de lutar por comida, água limpa ou energia".
     Mesmo que uma desaceleração da circulação convectiva nunca aconteça, o aquecimento global pode fazer com que os limites do equilíbrio climático sejam ultrapassados em outros lugares. Os cinturões verdes existentes no interior de muitos países temperados enfrentam risco de secas prolongadas. A maioria dos modelos climáticos prevê mais secas no verão nessas áreas, aconteça o que acontecer com o Atlântico Norte.
    As mesmas previsões sugerem que o aquecimento causado pelo efeito estufa aumentará a precipitação média, possivelmente sob a forma de tempestades mais severas e inundações. Verões mais secos fariam com que estiagens relativamente brandas piorem e persistam por décadas. Essa transição ocorreria devido à vulnerabilidade dos cinturões verdes: eles dependem muito da chuva que as plantas da região reciclam, e não da umidade trazida de outros locais. As raízes das plantas costuman absorver água que, de outra forma, atravessaria o solo e fluiria para o mar.
    Parte dessa água evapora das folhas e volta à atmosfera. Quando a região começa a enfrentar verões mais secos, no entanto, as plantas definham e morrem, devolvendo menos água ao ar. O limite é cruzado quando a população de plantas encolhe a ponto de a chuva reciclada se tornar insuficiente para sustentá-la. Mais plantas morrem e a chuva diminui mais ainda - num círculo vicioso semelhante ao que transformou o Saara em deserto. A região não tem dado sinais de recuperação desde aquela época.
Richard B. Alley
 Para saber mais...
O artigo completo poderá ser encontrado na revista Scientific American Brasil - Nº 31 - dezembro de 2004

Fonte: http://ube-164.pop.com.br
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