Disciplina - Lingua Portuguesa

Português

26/01/2009

Ponte rumo ao desconhecido

"No Zoológico de Berlim", sexto romance de Guido Viaro, dialoga com a realidade e recupera episódios de humanos exibidos em jaulas
O mais recente romance do escritor curitibano Guido Viaro foi deflagrado durante uma viagem a Berlim, em 2007. No zoológico da cidade, uma guia explicou a turistas norte-americanos que aquele local já teve como atração principal seres humanos. Ouvidos bem atentos, Viaro recebeu a informação que se alojaria em seu imaginário.
De volta a Curitiba, pesquisou o assunto. E descobriu que não apenas na capital alemã, mas também em outras cidades europeias, como Barcelona, Paris e Turim, exibiam humanos dentro de jaulas – do final do século 19 até a década de 1950.
Viaro problematizou literariamente suas inquietações e investigações em M’ba Nkumrah, o protagonista do romance "No Zoológico de Berlim". O personagem de 30 e poucos anos é um sujeito que foi arrancado de uma aldeia africana, a exemplo de esquimós, sulamericanos e variados seres humanos pobres e periféricos que eram capturados para permanecer, por algumas temporadas, como atrações em zoológicos europeus.
Diário
O romance se faz por meio de um texto direto e de fácil compreensão, que é o diário que o protagonista escreveu com a finalidade de deixar um registro de sua experiência e ainda superar impulsos suicidas. O homem tratado como animal conhece o idioma alemão e lê clássicos, além de conversar com alguns visitantes.
A voz narrativa surpreende ao revelar pensamentos íntimos de M’ba Nkumrah, que não condena os algozes e cogita que, se ele mesmo estivesse do outro lado, talvez alemães, franceses e suíços viessem a ser as atrações enjauladas em parques públicos. Nisso, a obra revela a maturidade do autor, que escapou da armadilha que seria, diante desse mote, simplesmente narrar a trajetória de uma possível vítima.
Obra em progresso
Esse sexto romance representa uma mudança de estação, final de um ciclo, na breve mas intensa trajetória de Viaro. E essa transformação se insinua pela capa. Nos livros anteriores, o escritor se valeu de imagens de telas de seu avô, Guido Pellegrino Viaro (1897-1971), um dos precursores do modernismo nas artes plásticas no Paraná. Nesta nova narrativa, a capa traz uma imagem do zoológico parisiense. Mas as modificações, naturalmente, não se restringem ao invólucro do texto.
Nas outras obras, o texto priorizava o universo interior das personagens, além de abrir espaço para intensas reflexões filosóficas. “Eu focava na busca humana além das espumas do mar, no viés profundo da vida.” Antes, a ficção de Viaro praticamente negava a realidade. Agora, No Zoológico de Berlim, o autor abre espaço para o real e, a partir disso, pretende extrair o profundo da aparente superficialidade.
Um jeito de ser
As manhãs de Viaro são dedicadas aos negócios. Depois do almoço, excetuando alguma emergência, ele se entrega ininterruptamente durante o resto do dia à criação. Seja lendo, pensando e/ou escrevendo.
O primeiro livro, O Quarto do Universo, de 1998, ele mesmo adaptou para o cinema e, desde então, constatou que o seu canal de expressão é a escrita, sobretudo o romance. “O cinema exige muita paciência, extrema entrega e energia e ainda disposição para trabalhar em equipe.”
Desde criança, Viaro sentia necessidade de se expressar artisticamente. “Sempre vi o mundo de maneira diferente dos outros. E percebi que precisava compartilhar isso.” Mas a estrada não seria por meio do exemplo do avô.
“No meu caso, a palavra escrita é mais forte que o desenho.” Viveu angustiado até se descobrir escritor, mas, uma vez feita a constatação, passou a criar intensamente. Produziu dois romances em 2006 e outros dois no ano seguinte.
Bibliofilia
O modus operandi de Viaro distribuir seus livros é mais do que peculiar. De cada romance publicado, com tiragem de mil exemplares, incluindo o mais recente, ele envia 800 cópias para bibliotecas públicas de vários pontos brasileiros. Os bibliotecários, de Pirapora a Xapuri, agradecem. Inclusive, passam a recomendar as obras para eventuais leitores indecisos. E os frutos já amadurecem.
Fonte:http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo
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